Conhecer a Paula Martín foi um acontecimento marcante
na minha vida. A força, a energia magnética que irradia, a voz
sensual, modelada, as frases que não se soltam por soltar, mas
que saem em cadência de pensamento, de alguém que pondera
de forma sábia, porque conhece o valor das palavras, porque
sabe que podem ser preciosas. Foi assim que, ao ver no Facebook
uma carta sem destinatário por Paula Martín, pensei «Tenho
de ler-te»! E avidamente atirei-me a ela. Fui recompensada.
Deixei-me embalar naquela música suave que só quem atingiu
a simplicidade – esse dom supremo – sabe tocar. Deixei-me arrastar
pela brisa das frases e, assim, fui presa fácil dos abismos
em que, sem esperarmos, ela nos lança.
Paula Martín escreve com a pele, com o sangue, com todo
o seu interior. Envolve-nos, arrasta-nos, desperta todos os
nossos sentidos. Expondo-se generosamente, a escritora expõe-
nos também, deixando à vista fragilidades e fortalezas,
feridas e alegrias, gritos e sussurros, sem medo nem hipocrisia,
coisa que vai sendo rara numa sociedade cada vez mais
autofágica e materialista.
Amo-te, cartas sem destinatário é um hino ao amor e ao ser
humano. Alguma coisa muda em nós depois da leitura. Uma
viagem pelos sentimentos mais íntimos de alguém que, nas suas
próprias palavras, «nasceu para nascer».
Isabel Medina
Licenciada em Filologia Germânica e Mestre em Análise Comportamental, encenadora,
actriz, argumentista, dramaturga, co-fundadora da Escola de Mulheres Oficina de Teatro
e autora dos romances Senhora do Cais e O Mercado das Almas.
Cartas sem destinatário pode ser um título enganador porque,
de facto, todas as cartas neste livro têm um receptor. Os
«destinatários» são todos e cada um de nós. Todos e cada um
que as leu na Internet ou que as (re)lerá, agora, impressas.
O papel, em que se apresentam, torna, ainda mais, os textos
em verdadeiras «cartas», que o leitor pode tomar como suas ou
dirigidas a si. Como se, em determinado dia, tivesse descoberto
ou reencontrado, no fundo de um baú ou no recanto esquecido
de uma gaveta, um maço de cartas, talvez romanticamente atadas
com uma fita de cetim, que um dia alguém lhe tenha dirigido
ou, quem sabe, trocadas, num passado mais ou menos distante,
por um qualquer antepassado em fase de enamoramento.
Nas memórias evocadas, nos termos utilizados, quantas vezes
recordamos o que dissemos ou o que nos foi dito. É esta
universalidade despida, truculenta, sem ornamentos supérfluos,
que não limita a identificação, em que o leitor se revê, na sua
individualidade, que possibilita a falta de destinatário – pelo
menos definido e nomeado – para as Cartas.
Paula Martín da Silva escreve estas «cartas» directamente
do coração, muitas vezes sem filtrar racionalmente palavras,
frases ou conteúdos, não se furtando a repetições, a romanticismos
exacerbados e por vezes ridículos, que poderiam ser considerados,
numa análise mais imediatista, literariamente menos
conseguidos ou correctos. Paradoxalmente, considero ser
precisamente essa uma das grandes virtudes destes textos. Os
desabafos, por definição, não pressupõem, aliás não possuem,
qualquer construção literária. São «gritos de alma», impulsos
catárticos, que explodem para o exterior para que o interior
não impluda. A razão não é para aqui chamada.
A imediaticidade dos textos remete-nos para o actual mundo
electrónico, das redes sociais, dos SMSs, do correio electrónico,
em que a carta manuscrita, reflectida, demorada, é substituída
pela celeridade – quantas vezes irreflectida – da mensagem escrita
em movimento, sem a inviolabilidade do sobrescrito, onde
o selo postal foi trocado pelo clique do dedo na tecla Enviar.
O que mais surpreende é que, lado a lado ou intercaladas
ou integradas, nesta «escrita das entranhas», surgem frases magníficas,
metáforas a um tempo inesperadas e encantadoras, que
suscitam o espanto mas também o sorriso cúmplice, e uma prosa
plena de poesia. Na leitura, quer seja contínua ou intercalada – a
sequência cronológica que, apesar de poder ser intuída, não é
explícita, permite um movimento oscilante, saltado ou, até, revisitado
–, sente-se a respiração da escrita, ora mais impetuosa e
acelerada ora mais tranquila e demorada, característica de difícil
execução, pouco comum, e, aqui, plenamente conseguida. Paula
Martín da Silva revela-se uma escritora de elevadíssima qualidade,
simultaneamente frontal e sensível, com uma capacidade
invulgar de nos envolver e transportar para as situações descritas
e, sobretudo, para alguns dos locais mais recônditos da sua alma.
Aliás, é a nudez da autora, que se expõe inteira e sem preconceitos,
que permite que nos reconheçamos no turbilhão de
emoções e que nos identifiquemos como destinatários – e, porque
não, como remetentes – das suas Cartas.
Hélder Bértolo
Licenciado em Física e Mestre em Biofísica e Física Médica, investigador, docente universitário
e empresário de sucesso com a Urban Science. É autor do romance Os Anjos de Gabriel.